Em 97, sem intervenção do governo, 3 morreram em reintegração na ZL

Se com a intervenção do Prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, a reintegração de posse do terreno da Avenida Bento Guelfi, no Jardim Iguatemi, na manhã da última terça-feira, evitou que ao menos 800 famílias passassem a ficar desabrigadas e, também proporcionou o recuo das tropas de segurança, em 1997 a oito quilômetros dali, os moradores não tiverem a mesma sorte.

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PMs se protegem com telhas

Em 20 de maio, às 6h05, 139 homens da PM estavam frente a frente com moradores sem tetos que haviam invadido o complexo do CDHU nas proximidades do número 14.000 da Avenida Sapopemba, no bairro Fazenda da Juta, extremo da cidade, para realizarem o cumprimento do mandado da 3ª Vara Cível de Itaquera, que determinava a desocupação de 448 unidades de 14 conjuntos, ocupadas por 440 famílias. A PM estava ali para proteger os quatro oficiais de justiça e funcionários do governo estadual, que foram entregar as intimações de desocupação dos edifícios e apartamentos que serviam de moradia, desde o dia 3 de maio, para quase duas mil pessoas.

Além dos “novos inquilinos” da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano, aquele início de manhã contava com a visita de carros de som e movimentos de sem tetos do ABCD e outras regiões da Grande São Paulo. O aparato policial contava com 139 PM´s; 100 eram do 21º BPM/M, os outros 39 eram do Comando de Policiamento de Choque. 17 do Regimento de Polícia Montada 9 de Julho, a Cavalaria e mais 22 PM´s do 3º Batalhão de Choque.Os 39 homens que seguiram da sede do Choque, na Avenida Tiradentes, na Luz, Centro, portavam escopetas e revólveres calibre 38, não portavam armamento de munição não letal, como balas de borracha e bombas de efeito moral, e, nem proteção adequada como escudos e capacetes. Enfileirados com policiais do Tático Móvel e soldados de radiopatrulha, aguardavam o sinal do comandante da operação, o tenente-coronel Boscatti.

Os olhares daqueles que perderiam suas casas, com aqueles que os removeriam, fez o clima ficar mais tenso. O que era até então agressões verbais de ambos os lados virou enfrentamento quando do lançamento de uma pedra por um morador.De certo, que havia muitos moradores revoltados, sem ter para onde ir. No pensamento de uns, um pequeno confronto poderia sacramentar mais uns dias nos apartamentos ou uma seção por parte do governo de outro terreno.

Pura ilusão, o presente do governo viria cravado em formato de chumbo, “na bala”. Pela versão dos oficiais presentes, tiros e rajadas de metralhadora foram disparados na direção dos PM´s que para manter a ordem não poderiam usar apenas do artifício de seus cassetetes.

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Crispin, morto com um tiro na nuca

Se realmente havia uma metralhadora naquele local, ela nunca foi localizada. Nesse caso específico, a atuação da polícia foi elogiada pelo governador à época Mario Covas, não cabendo punição a nenhum dos envolvidos. Na manhã seguinte ao ocorrido, oficiais e PM´s, deste vez 474, em sua grande maioria homens do Choque, mais um helicóptero, 56 viaturas, incluindo ônibus e caminhões, cavalos, cachorros e até mesmo o Centurion, o carro blindado da PM foram para o local.

Após revista dentro dos apartamentos, autorizada pelo juiz, os PM´s afirmaram ter encontrado um revólver calibre 38 e mais três garrafas de vidro com pedaços de trapo e tiner envoltos, numa suposta cilada  preparada com coquetéis molotov. Mas, por felicidade do povo presente, não precisaram de um único disparo, a reintegração fora feita na mais calma tranquilidade, bem diferente do dia anterior.

Nota: A foto, que aparece Crispin José da Silva morto, e suas duas irmãs chorando sobre seu corpo, de autoria do repórter fotográfico Rubens Cavallari, à época no Jornal Folha da Tarde, recebeu o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos em 1997.