Massacre do Carandiru: a invasão da Tropa de Choque

Paulo Eduardo Dias
De São Paulo
Como num toque de mágica ou pura pró-atividade às 15h15, 345 PMs se espremiam na Avenida Cruzeiro do Sul. Aguardando ordens do coronel Ubiratan Guimarães, à época comandante do Policiamento Metropolitano, os respectivos tenentes-coronéis das unidades e seus soldados, sendo 51 homens do 1º Batalhão de Choque, a Rota, mais 125 policiais do 2º Batalhão, responsável por distúrbios civis ou praças com grande quantidade de pessoas e mais 74 PMs e 13 cães do 3º Batalhão, a Tropa de Choque. Havia ainda mais 25 homens do Gate (Grupo de Ações Táticas Especiais), além de 16 policiais do COE (Comando de Operações Especiais da PM), grupo de elite especializado em atuar em ambientes fechados ou de extrema dificuldade, como matas.
PMs da muralha observam a movimentação no pavilhão 9 Foto: Arquivo/O Globo
PMs da muralha observam a movimentação no pavilhão 9 Foto: Arquivo/O Globo

Segundo fontes da época, a maioria dos policias estavam apavorados, diziam que os presidiários tinham armas e principalmente seringas com sangue infectado com vírus HIV. Do outro lado, os detentos esperavam pelo pior, sabiam que não podiam enfrentar aquele grande arsenal. Para dificultar a entrada da tropa, armaram uma barricada no pátio. Jogaram óleo de cozinha nos degraus. Ainda assim, esperavam que os PMs não invadissem. Enquanto o diretor do presídio conversava via megafone com os presos, o então secretário de Segurança Pública Pedro Campos retransmitia ao coronel Ubiratan a ordem do então governador Luiz Antônio Fleury (PMDB), que no momento almoçava na cidade de Sorocaba, interior paulista. “Vocês tem autorização do governador Fleury para entrar”. Pedrosa foi atropelado pelos PMs. Ali começava a maior operação em presídios da história brasileira.

A Tropa de Choque já estava preparada, os oficiais tinham em seu poder submetralhadoras Beretta nove milímetros e fuzis Parafal 7.62. Ambos têm em sua cinética, com apenas um click, a opção de tiros normais ou intermitentes, ou seja, em forma de rajadas. Os homens do segundo escalão tinham a tiracolo espingardas calibre 12 e os soldados levavam consigo revólveres calibre 38.
Às 16h eles tomam à frente do Pavilhão 9, uma enxurrada de facas artesanais, as “naifas” na gíria penitenciária, estiletes e alguns canos de PVC quebrados do encanamento são atirados pelas janelas. Para a PM eram os presos os atacando, mas na verdade eram os presos de desfazendo de tudo que pudesse ser identificado como arma. Como a maioria dos PMs nunca tinha enfrentado uma revolta e até mesmo debutavam na Casa de Detenção entenderam aquilo como uma afronta. O próximo passo foi chamar um dos bombeiros que estava próximo e solicitar que com o auxilio de um alicate hidráulico arrombasse o grande cadeado posto no portão principal do pavilhão.
‘Aqui é a morte! Preparem-se para morrer!’
Além das marcas de bala corredores ficaram cheio de água com sangue Foto: Reprodução/Internet
Além das marcas de bala corredores ficaram cheio de água com sangue Foto: Reprodução/Internet

Logo após os primeiros passos, os PMs escorregam. Era o óleo jogado pelos presos horas antes.  O horário certo da entrada é por volta das 16h20. De acordo com a Revista Já, na edição publicada em 27 de setembro de 1998, um gritou ecoou pelo Pavilhão 9: “Aqui é a morte! Preparem-se para morrer!” A partir daí rajadas de metralhadora foram ouvidas; gritos de ambos os lados. Alguns presos aguardavam nus, era uma forma de não mostrar resistência. Os que ainda ficavam no corredor eram exterminados a base de chumbo que saia do cano dos revólveres. Os PMs adentravam nas celas; ordenavam aos detentos que se deitassem no chão, a essa altura, úmidos pela água que vazava do quebra – quebra e pelo sangue que jorrava das feridas provocadas pelas balas, cortes de faca e mordidas dos cães.

Com a falta de notícias, parentes de detentos e os PMs preteridos da ação in loco entravam em confronto a todo instante na Avenida Cruzeiro do Sul. Já na parte de dentro quem havia escapado das balas, das mordidas dos cães e de sessões de espancamento no corredor polonês era obrigado a carregar os feridos para a enfermaria e os cadáveres para o grêmio recreativo; faltou espaço. Às 17h a operação dentro do Pavilhão 9 está encerrada. Não há mais focos de incêndio ou qualquer tipo de rebeldia.

Familiares e PMs entram em confronto na avenida Cruzeiro do Sul Foto: Arquivo/O Globo
Familiares e PMs entram em confronto na avenida Cruzeiro do Sul Foto: Arquivo/O Globo
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